A ética e o artista
Todos os conceitos de ética, sua evolução, suas mudanças e adequações feitas com o passar das épocas e civilizações, valem para todo ser humano, qualquer que seja a sua atividade e profissão. Mesmo porque, não podemos dissociar o artista de sua condição histórico-sócio-cultural. Portanto, o que segue, vale para o artista de qualquer profissão.
A ética é uma característica inerente a toda ação humana, e por esta razão, é um elemento vital na produção da realidade social. Todo homem possui senso ético, uma espécie de consciência moral, estando constantemente avaliando e julgando suas ações para saber se são boas ou más, certas ou erradas, justas ou injustas. Existem sempre comportamentos humanos classificáveis sob a ótica do certo e errado, do bem e do mal. Embora relacionadas com o agir individual, essas classificações sempre têm relação com as matrizes culturais que prevalecem em determinadas sociedades e contextos históricos. A ética está relacionada à opção, ao desejo de realizar a vida, mantendo com os outros, relações justas e aceitáveis.
Segundo o historiador José Marques, quando se trata de ética, o aspecto da religião seria talvez o melhor exemplo. A relação do ser humano com Deus, com a espiritualidade , no aspecto da conduta, da ética, varia ao longo do tempo e dele, em meio as variáveis sociais de cada sujeito. Outro exemplo melhor ainda seria a relação do ser humano com a natureza.
Temos aqui uma conduta bem mais complexa, apreendida no tempo e na estratificação social.
Ética é um conjunto de normas que definem a boa conduta. Todas as profissões têm seu código de ética.
Ética é o respeito que se tem pelo outro, pela vida da pessoa, tentando resgatar o físico e a moral. Como ciência do Psíquico, a psicologia vem em ajuda da ética quando põe em evidência as leis que regem as motivações internas do comportamento do indivíduo assim como quando nos mostra a estrutura do caráter e da personalidade; dá a sua ajuda também quando examina os atos voluntários, a formação dos hábitos, a gênese da consciência moral e dos juízos morais. Em poucas palavras, a psicologia, presta uma importante contribuição à ética quando esclarece, as condições internas, subjetivas do ato moral.
É comum usar o conceito de ética e moral como sinônimos ou, quando muito, a ética é definida como o conjunto das práticas morais de uma determinada sociedade, ou então, os princípios que norteiam estas práticas. Não é raro na história o surgimento de filósofos ou profetas que propõem um sistema ético criticando a moral vigente e propondo uma resolução nos valores e normas estabelecidas da sociedade. Sócrates, por exemplo, questionou valores da democracia ateniense; e Jesus com seus ensinamentos, criticou, com profundidade, a moral judaica de seu tempo.
A ética se constrói desde o nascimento e está ligada ao amor e não à agressão. A ética é singular, individual, flexível e não rígida. Ser ético é ter atitudes ou ações que não redundam em qualquer prejuízo e incômodo ao outro ou à comunidade.
Já segundo Paulo Freire, a necessária promoção da ingenuidade à criticidade não pode ou não deve ser feita à distância de uma rigorosa formação ética ao lado sempre da estética. Decência e boniteza de mãos dadas.
Mulheres e homens, seres histórico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso, nos fizemos seres éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser. Não é possível pensar os seres humanos longe da ética. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres e homens, é uma transgressão.
Pensar certo demanda profundidade na compreensão e na interpretação dos fatos. Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo. Mas como não há pensar certo à margem de princípios éticos, se mudar é uma possibilidade e um direito, cabe a quem muda, que assuma a mudança operada.
Do ponto de vista do pensar certo não é possível mudar e fazer de conta que não mudou. É que todo pensar certo é radicalmente coerente.
No caso específico do Ator há alguns procedimentos éticos que o mesmo não deve esquecer. Um deles é o bom relacionamento com os membros do grupo de que participa, com os técnicos do teatro em que atua, com a platéia e com a crítica. O comportamento do Ator frente a essas diversas situações vai determinar até que ponto ele merece a credibilidade que conquistou. Senão, vejamos: um ator que após uma grande exibição, depois de ter sido aplaudido freneticamente pela platéia como o reconhecimento do seu talento e bom trabalho executado, se recusa a atender os que por ventura venham pedir autógrafo ou dar alguma entrevista pode estar destruindo com uma mão o que foi construído com a outra.
A decepção do público, para com determinados astros, pode manchar a honra artística deste profissional. Portanto, é indispensável ao Ator/Atriz uma conduta exemplar não só no momento em que esteja no palco, mas também no restaurante, na rua, etc. Um mau comportamento denigre não só a imagem de quem o tem, como também do próprio teatro em si.
Muitos atores agem exatamente de forma a comprometer o teatro. Em cena, fazem todos os esforços para transmitir impressões artísticas e belas e depois, logo que saem do palco, quase como se quisessem zombar dos espectadores que minutos antes os admiravam, fazem o máximo possível para desiludi-los. São vários os casos em que isso acontece. Eu mesmo já presenciei alguns, com atores e atrizes famosos cujo comportamento colocou por terra todo conceito que as pessoas envolvidas na situação tinha do mesmo.
O papel do ator não acaba de ser representado com o apagar das luzes. Ele ainda tem a obrigação de carregar em sua vida diária o estandarte da qualidade. De outro modo poderá apenas destruir o que tenta construir. Quem se pretende ser um Ator ou Atriz de verdade há que desenvolver em si próprio a necessária capacidade de controle, a ética e a disciplina.
O ator, pela própria natureza da arte a que se dedicou, torna-se membro de uma organização vasta e complexa: o Teatro. Sob o seu emblema ele o representa diariamente para centenas de espectadores. Dezenas de pessoas lêem diariamente nos jornais notícias sobre seu trabalho e atividade na instituição da qual ele faz parte. O seu nome está ligado ao do seu grupo. É preciso honrá-lo sempre. Caso contrário seu comportamento pode comprometer o próprio Teatro. Há atores que são causadores de intrigas, despeitos, implicâncias, no local que deveria ser reservado à arte criadora.
O Teatro é uma arte coletiva. O Ator tem que estar em consonância com todos que participam do trabalho. Não pode ter atitudes menores como, por exemplo, torcer para um companheiro não dar contar daquele papel que tanto almeja.
O Teatro está cheio de caso que registram a disputa da prioridade entre os atores, diretores, a inveja do sucesso alheio, as cisões causadas por tipos de papel, etc. Tudo isto se desenvolve em nosso tipo de trabalho e constitui seu pior mal. Às vezes se disfarça a ambição, inveja, com toda espécie de frases maldosas, mas o tempo todo o ambiente está carregado com os gases venenosos das intrigas de bastidores.
No Teatro, um trabalha por todos e todos por um. É preciso haver responsabilidade mútua. Pode até haver grandes talentos individuais, mas não pode haver estrelato. O Teatro tem suas raízes no esforço criador coletivo. Isto requer uma atuação de conjunto e todo aquele que prejudicar esse conjunto comete um crime ético, não só contra os seus colegas, como também contra a própria arte de que é servidor. Se houver ordem e uma boa distribuição do trabalho o esforço coletivo será produtivo e agradável por se basear no auxílio mútuo. Caso contrário se transformará em um trabalho penoso e desagradável para todos.
É preciso desenvolver a ética e a disciplina corretas. Assim como, todos os dias, o bom cantor faz vocalizes, o pianista toca sua suas escalas, o bailarino exercita-se na barra, o ator também deve exercita-se diariamente. O ator ou a Atriz que descuida de aperfeiçoar em casa a técnica de sua arte dá sempre a desculpa de que não tem tempo. É uma pena, pois o Ator, a Atriz mais do que qualquer outro artista especializado, precisa desse trabalho em casa.
Nossos antepassados artísticos ilustres na arte de representar resumiram a questão ética do Ator da seguinte maneira:
O verdadeiro sacerdote tem consciência da presença do altar durante todos os instantes em que oficia um ato religioso. Exatamente assim é que o verdadeiro artista deve reagir no palco durante todo o tempo em que estiver no teatro. O Ator que não for capaz de ter este sentimento nunca será um artista verdadeiro.
Mauri Fernandes de Castro, na arte Mauri de Castro, é natural de Pires do Rio, GO. Diretor artístico do Ponto de Cultura Cidade Livre. Ele já escreveu 16 peças teatrais, publicou dois livros e, nos palcos, atuou em mais de 82 espetáculos.