O Ator grego
Dando continuidade às informações sobre a história do Ator, vamos, desta vez, discorrer sobre o ator grego, suas funções e características.
O ator grego teve a mesma origem religiosa, contudo dela vai se desprender.
Em 535 a.C. tomamos conhecimento do primeiro ator na evolução dos tempos: Téspis, de Icária, que durante as Olimpíadas apresentou sua primeira tragédia.
Acrescentando ao coro um prólogo e um discurso, ele é considerado o primeiro ator e o primeiro autor ocidental conhecido. Assim, como escrevia e representava, também defendia seus direitos profissionais, criando a primeira altercação entre o teatro e o governo quando discutiu com Sólon (640-558 a.C.), arconte e legislador ateniense, a razão de seus ataques aos deuses do Olimpo. Representava vários papéis numa mesma apresentação, e, mais tarde, acusado de hipócrita por Sólon, reconheceu: fui, em verdade, um grande ator, mas também um hipócrita. Meus deuses, meus mercadores e meus pobres não eram mais que pedaços de minha alma endurecida. Fez-me bastante bem essa limpeza.
Em suas origens, o ator grego da comédia - possivelmente posterior ao da tragédia - teria saído do povo, certamente alguém mais descontraído e brincalhão, portador da vivacidade e da folia que vai caracterizar o cômico em todos os tempos. Seus espectadores assumiam uma embriaguez coletiva, e o espetáculo aos poucos ia se tornando uma grande encenação de grande participação popular.
Os precursores do teatro ocidental se sucedem. Quérilo viveu o bastante para concorrer, quase centenário, com Sófocles (496-405 a.C.). Frínico teria se tornado tão ilustre quanto Ésquilo (525-436 a.C.) se sua obra escrita tivesse sobrevivido, conforme os inúmeros testemunhos de seu tempo. Inovador como Téspis, Frínico dividiu o coro em dois grupos e, com isso, provocou uma divisão de opinião entre os espectadores. A Téspis é atribuída a invenção da máscara. A Frínico, a introdução de personagens femininas em suas peças. Prátinas é o terceiro nome contemporâneo de Ésquilo e reprovava as interferências musicais em detrimento da palavra do poeta.
Ésquilo tornou-se conhecido como o segundo ator ocidental. Ele escreveu para mais de um ator representar, criando, assim, o ator específico: o que não escrevia a peça, só representava. Aquele primeiro ator introduzido por Téspis, o protagonistés, permitiu o diálogo entre o ator e o coro. O segundo ator, introduzido por Ésquilo, o deuterogonistés, propiciou a criação do conflito. O coro foi perdendo, assim, sua função principal no desenvolvimento da tragédia, crescendo, por outro lado, a importância dos atores.
Sófocles deu-nos o terceiro ator, o tritagonistés, o que não significava, como nos demais autores, que em suas peças encontrássemos duas ou três personagens, mas várias personagens para serem interpretadas por dois ou três atores no máximo. Embora contasse ainda com intérpretes menores para breves aparições como aias, mensageiros, soldados, etc., sem participação nos diálogos. Ao introduzir outro ator, Sófocles reduziu mais ainda o papel do coro. E esta tendência vai aumentar com seus sucessores, a ponto de seus componentes reduzirem-se de cinquenta para quinze elementos. Sófocles secularizou o espírito e o conteúdo da tragédia, assim como dissociou em suas específicas funções: o ator, como intérprete dos textos do poeta; o músico, com atividade própria e separada; e o coro, agora mais estruturado a ponto de ganhar um diretor próprio.
Como Ésquilo, e mesmo antes, tínhamos um diretor absoluto de suas obras, pois quando ele escreveu suas tragédias ainda não existiam atores adestrados. Sófocles já pode concentrar-se mais na atividade dramatúrgica, desembaraçando-se de também ter que interpretar suas próprias personagens. Assim sendo, Sófocles sedimentou mais ainda a especialização do ator. Quando o poeta deixou a cena, o ator protagonista passou a ser designado pelo Estado.
Há muito pouca documentação sobre a forma de representação do ator grego. Aristóteles teria falado a respeito, mas esses trechos foram perdidos. Entretanto, quanto à interpretação teatral, poderíamos dizer que a pantomima era importante, e o uso de máscaras enormes, de traços acentuados, de roupas gigantescas, sobrecarregadas de bordados, que caíam até os pés e de coturnos de solas muito altas impedia ao ator grego grandes deslocamentos, aí seu modo estático de representar, o que vai redundar em maior destaque e importância ao texto falado. A cor das vestes anunciava o sexo e o nível social da personagem. Para evitar a desproporção física que a indumentária poderia causar em relação aos grandes teatros gregos, aumentava-se o tamanho dos corpos acolchoando-os com falsos ventres, ombros, etc., recobrindo tudo isso com um tecido de malha ajustado ao corpo, sobre o qual vestiam as túnicas e os mantos.
Resultante mais de tradicional herança do que propriamente de estudo a respeito, a arte do ator grego consistiria numa maneira tipicamente religiosa de representar. Entre outras coisas, a máscara e a pesada vestimenta impediriam qualquer elaboração mais individualizada: os gestos ficavam, assim, bastante ocultados.
Segundo uma citação tradicional do teatro, de autor desconhecido, o ator grego era uma voz e uma presença.
Os atores trágicos nunca tomavam parte na comédia, nem os cômicos na tragédia. Apenas os homens podiam subir aos palcos atenienses, e os atores trágicos eram considerados cidadãos muito requisitados e regiamente pagos. No século IV a.C., o teatro decaiu, enquanto o ator foi ganhando cada vez mais importância. A expressão corporal superou o jogo das palavras, e nasceram, então, as primeiras pequenas cenas improvisadas. Os mimos começaram a imitar os tipos cômicos da sociedade. As personagens conservavam vestígios do vestuário dos atores do século V a.C., como os estômagos acolchoados, os calções ajustados, a capa, agora mais curta, mas os traços faciais estavam mais suavizados, como o natural das pessoas comuns das ruas atenienses. Fazia-se qualquer coisa para converter um simples fato num acontecimento hilariante: abaixo das capas curtas ostentavam-se, de modo proeminente, grandes phallus, como emblema de fertilidade.
Ainda no século IV a.C., organizaram-se agremiações ou corporações de atores, denominadas Artesãos de Dioniso, que alcançaram muito poder e respeito, mais tarde perdidos quando passaram a aceitar, em suas hostes, músicos, coristas, ajudantes e comparsas, o que provocou paulatina desconsideração social, a ponto de Aristóteles chamá-los de Parasitas de Dioniso. Outro depoimento aristotélico diz-nos que, à época, o intérprete despertava mais interesse que a obra poética. No ano de 449 a.C., foram instituídos os concursos para atores; o processo do individualismo começava a se estabelecer. Pólus foi o mais famoso, não só por suas qualidades de intérprete - segundo o filósofo Denis Diderot, ele teria interpretado uma cena de Eletra portando as cinzas do próprio filhos -, mas também por ter sido o professor de dicção do grande orador grego Demóstenes (385-322 a.C.), que ganhou notoriedade por sua arte retórica. Pólus legou-nos uma espécie de catálogo de máscaras pormenorizadamente descritas da fase decadente da comédia grega, onde estão fixados os tipos e os seus símbolos particulares, o que nos permite acompanhar a evolução da tragédia e da comédia desde a época pós-clássica do teatro grego.
A profissão de ator sempre foi bem reputada na Grécia, sendo ele mantido pelo Estado desde os tempos de Sólon. Alguns atores chegaram a assumir funções diplomáticas, quando em viagem. O ator Aristodemo e o autor de comédias Anaxandides acompanharam a corte de Filipe da Macedônia, enquanto o ator Tesálio usufruiu as regalias do séquito de Alexandre Magno, que lhe confiou uma missão diplomática, pois, como ator, desfrutava do salvo-conduto de deslocar-se pelo território inimigo. De qualquer forma o ator trágico sempre foi considerado mais importante que o ator cômico.
BIBLIOGRAFIA
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