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O Ator Oriental

O ator oriental ainda hoje é religioso. Na Índia, surge da união da dança e do canto provenientes das festividades religiosas.

O ator oriental raramente recorre à improvisação. A fantasia cênica é de antecipada precisão aos espectadores, que reconhecem nela símbolos tradicionais.

O teatro na Índia encerra suas bases estéticas codificadas em Os Princípios da Arte Dramática, o Natia Sastra, redigido em sânscrito pelo profeta e patriarca Bharata nos inícios da era cristã, e que, além de estabelecer as regras para a construção do espaço cênico, trata ainda dos sete anos de aprendizagem do ator em pormenores complicados. Menciona 24 variantes da posição dos dedos, 13 movimentos para a cabeça, 7 para as sobrancelhas, 6 para o nariz, 6 para as faces, 9 para o pescoço, 7 para o queixo, 5 para o peito e 36 para os olhos, as quais corresponderam à regulamentação da linguagem. A arte do ator indiano, incluindo voz e comentário, exige dele a máxima concentração. Durante longo período ele permanece entregue à tarefa de criação da atmosfera do drama. A obra de Bharata destaca ainda que as representações devem ser completamente controladas e de execução nunca impulsiva ou original.

O ator hindu, por representar deuses e heróis, devia atingir a perfeição na arte através da autodisciplina. As peças apresentavam, geralmente, uma prece como prólogo, seguida de um diálogo entre o diretor e os atores com vistas a fazer o público ciente das circunstâncias que deram origem ao espetáculo. O ator não seguia necessariamente um texto, a música era composta no momento, e o músico, então, tinha a possibilidade de decisão sobre o andamento do espetáculo.

No teatro chinês a simplicidade da técnica de representação se aproxima bastante dos movimentos mimados e ritmados das marionetes.

A influência hindu no teatro da China – lá introduzida, possivelmente, dois séculos antes da era cristã – pode ser verificada na dura aprendizagem dos atores que demora também sete anos, tradicionalmente. Os professores ensinam, com rigor, gesticulação, movimento e expressão vocal. A poética chinesa, garantida até mesmo pelo código penal, impõe que toda obra teatral tenha finalidade moral, devendo os espetáculos mostrar uma pintura verdadeira ou suposta de homens justos e bons, de mulheres castas, de crianças afetuosas e obedientes para assim induzir os espectadores à prática da virtude. A técnica de interpretação do ator baseia-se na simplicidade criando uma resultante entre a concepção da realidade e a perspectiva cênica. Daí seu movimento se aproximar bastante do de uma marionete. A nudez do palco chinês obrigou o ator a criar, com sua palavra e gesto, um cenário inexistente. Um ilusionismo de convenções e signos supre a ausência de cenário: um abanico junto ao rosto representaria um passeio ao sol; um ator tateando pela cena significaria que o ambiente está às escuras; uma nevada seria representada por uma sombrinha com tiras de papel branco; dois ou três toques de corneta anunciariam o julgamento de alguém, e assim por diante. O único apoio ao qual recorre o ator chinês é sua máscara e seu traje, que traduzem símbolos de tradição muito antiga.

Apresentados em casas de chás, os espetáculos ganham uma forma de relacionamento especial entre os atores e os assistentes. Estes podem abandonar as salas de espetáculos, retornando quando a cena apresentar maior interesse. Nos bastidores qualquer pessoa estranha está impedida de entrar, pois trata-se de um ambiente de preparo e concentração, protegido pela estátua do imperador Ming Huang. Com a proclamação da República, em 1911, as mulheres puderam usufruir da aprendizagem da Ópera de Pequim. Antes, os papéis femininos eram especialidade de certos atores. Entre outros, destacou-se Mei Lan Fang (1894-1961), que se tornou o especialista mais famosos em papéis de cortesã e donzela até quase os 70 anos. Além de dançarino, coreógrafo e ator, foi, em seus últimos anos de vida, diretor da nova Academia de Arte. Antes considerados marginais, os atores chineses recentemente passaram a ser venerados por seus méritos.

Na época clássica, o teatro nô era quase sempre encenado por sacerdotes, aparecendo posteriormente o conceito isolado de ator. O treinamento desse ator está previsto no Fúshi-Kaden, a bíblia do nô, que propõe inúmeros princípios básicos e treinamentos desde a idade dos 7 anos até mais de 50; isto no primeiro livro. O sétimo livro cuida dos complementos e teorias da expressão teatral. O nô, desde suas origens, resiste à improvisação teatral, e suas primeiras manifestações são cantos e danças. Em seus primórdios, os atores desse teatro eram marionetes, daí posteriormente o estilo de sua mímica ser tão rigorosamente regulado quanto à coreografia, pois cada gesto ou movimento, extremamente estilizado, conserva um sentido próprio e exato. A beleza plástica dos conjuntos assim montados resulta de disciplina e técnica perfeitas.

Dentre os mais famosos atores, destaca-se Zeami Motokiyo (1363-1443) pela defesa da manutenção da tradição do teatro nô, além de seu talento invulgar.

Em 1910, fundou-se junto ao Teatro Imperial uma escola para a formação de atrizes, por força de uma ordem imperial, devido à má fama do teatro kabuki em seus primeiros tempos, iniciado com mulheres, depois impedidas de entrar em cena.

A construção do primeiro teatro kabuki data de 1624. Nele se destacou o ator Sakata Tôjurô (1647-1709), famoso pela criação de delicados galãs que o fariam incomparável nas cenas de Kioto e Osaka. Para ele, o grande mestre do ator era a própria vida. É de sua autoria a famosa citação de que a arte do ator, assim como a sacola de um mendigo, tem que conter de tudo um pouco, desde coisas valiosas até coisas sem valor, e se, por acaso, alguma coisa não tiver serventia no presente, se guarda para usá-la no futuro.

A consciência de seus atores, a dedicação que manifestam pela arte teatral erigida durante vários séculos, a ponto de ser considerada como uma forma de religião do povo, asseguram ainda hoje, ao teatro kabuki, a qualidade de representar o espírito nacional e de ser um veículo de orientação por parte do poder constituído.

Como um sacerdote, o ator oriental leva uma vida ascética, silenciosa e concentrada; em atividade é um homem possuído pelo que representa em cena. O teatro para ele não é um ofício, mas uma vida de renúncia; para este ator, a individualidade se perde, sua técnica tem que ser perfeita, e a personagem que encarna, assumir uma supra-individualidade. A simbologia da indumentária é de grande importância, e sua cor vai determinar até mesmo o conteúdo emocional da personagem; a pantomima é fundamental, e a concentração é aprimorada de tal forma que vai qualificar a tarefa particular de cada ator. Com o rosto anulado pela máscara, ele vai ter no corpo seu instrumento de expressão mais importante. Charles Dullin (1885-1949) sustenta que o ator japonês parte do realismo mais minucioso e chega à síntese por uma necessidade de verdade. Há, no ator oriental, portanto, uma total abdicação de si próprio. Não há distinção entre ator e público, pois a religiosidade os une. O ator oriental permaneceu mais preso à religiosidade do teatro e só recentemente alimentou novas formas.


BIBLIOGRAFIA

Berthold, Margot - História Mundial do Teatro – Perspectiva, 2001: SP.

Carvalho, Enio – História e Formação do Ator – Ática S.A.1989: SP.

Gassner, John – Mestres do Teatro I – Perspectiva, 2002: SP.

Pavis, Patrice – Dicionário de Teatro – Perspectiva, 1999: SP.


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