O ATOR ATRAVÉS DOS TEMPOS
Entre os teatreiros, o ator é o que mais se expõe. É um dos poucos artistas que têm seu veículo de expressão inseparável de si próprio, veículo este que envolve corpo, voz, dotes psicológicos, conhecimento, etc.
Como diz a maioria dos estudiosos, na Grécia antiga o ator era uma voz e uma presença. Em Roma tornou-se um corpo discursivo e, no teatro da Idade Média, eram os eclesiásticos e homens do povo, bons de dicção, que exerciam a sua função. Na Renascença o ator buscou se tornar natural e se dedicou a imitar o que estava ao seu redor. No século XVIII assumiu um compromisso com a razão, e, a partir daí, as teorias se sucederam: Gordom Craig (1872-1966) pretendeu prescindir do ator, tornando-o uma supermarionete, enquanto Constantin Stanislavski (1863-1938) concluiu que seria o único senhor da cena.
Pra efeito didático, vejamos algumas definições sobre o ator. Uma delas, talvez a mais simplificada, nos diz que o ator é o indivíduo que representa um papel em peça de teatro, de cinema, de televisão, radioteatro ou espetáculo, definição esta que pode ser encontrada em qualquer dicionário. Num sentido figurado o ator é o indivíduo que finge o que não sente. Tal definição pressupõe algumas polêmicas deveras pertinentes sobre sua atividade. De todas as palavras sinônimas de ator - comediante, cômico, histrião, farsante, etc - nenhuma é tão exata e antiga, como hypokrités, do grego: hipócrita, isto é, o respondedor, o ator, o que representava todos os papéis requeridos pelo coro, o simulador, o que finge. Seja qual for a palavra que se use pra definir as atividades do ator, o que estabelece sua competência é, sem dúvida, sua sensibilidade, sua inteligência... O ator é o homem que é veículo de expressão de uma ação cênica para um determinado público, seja de teatro, cinema, circo, televisão, radio teatro, etc.
A origem da atividade do ator se entrelaça com a própria origem do teatro. Para Aristóteles (384-322 a.C.), tanto na tragédia como na comédia há um ator-oficiante como instrumento, como veículo de valores encenados aos fiéis-espectadores. O fato é que a origem do ator se confunde com a do próprio homem, ou seja, o instinto de representação já aparece no indivíduo mais antigo ao desenvolver física e gestualmente alguma informação a outro homem primitivo: a descoberta do fogo, o exercício da caça, o gesto de beber água, etc. Neste breve slide, já podemos isolar, embrionariamente, o instinto do jogo e do cênico, que são encontrados na própria origem da espécie humana.
A história da arte dramática centrada no espetáculo, e, portanto, no ator, é a história natural de todo o processo humano. Este caminho não é de desenvolvimento simples nem fácil, sofrendo, logicamente, espontâneas e naturais alterações. Ora cresce primorosamente ora decai em crise, mais adiante avança, para, mais uma vez, retroceder... Assim, dialeticamente, vai correndo a história do ator. Mas em qualquer etapa é substancialmente o mesmo: o elemento preciso de um espetáculo que, sem ele, nunca teria acontecido.
Nas representações dos mistérios, nas cerimônias funerárias do culto do deus Osíris, além do sacerdote-leitor que recitava o comentário como um cronista, de outros fiéis oficiantes que faziam as evoluções cênicas, tudo previamente escrito para que os espectadores pudessem distinguir os locais designados na sucessão das cenas; além do grande número de figurantes, chamados servidores deste ou daquele deus; além dos sacerdotes que faziam o papel dos deuses envolvidos no mito, também haviam atores profanos à maneira dos mimos ambulantes que vendiam seu trabalho ao templo ou a dignitários locais interessados em realizar dramatizações. Em 1922 descobriu-se em Edfu uma estela, dedicada a Hórus por um certo Emheb, servo de um ator ambulante, que se apresenta na inscrição como aquele que acompanhava seu senhor em suas excursões, sem esquecer quando recitava... Dava a réplica a meu senhor em todas as falas: se fosse um deus, eu era um soberano, e, quando ele dava a morte, eu dava a vida. É lícito deduzir daqui que os atores profissionais deviam gozar de grande prestígio no Egito faraônico.
De modo geral, os sacerdotes oficiantes dos cerimoniais primitivos se apresentavam maquiados e vestidos com ricas indumentárias. Esse ator primitivo tem função religiosa e apresenta-se como que possuído pela entidade da qual é instrumento, conforme ainda hoje podemos encontrar nas diferentes manifestações religiosas afro-brasileiras. O ator primitivo era veículo e instrumento de mensagens metafísicas aos fiéis e atentos espectadores.
Estudando as origens do ator, Édouard Shuré, citados por Hermilo Borba Filho, propõe que o homem ainda não podia exprimir com palavras o que sentia de mais profundo e que as sensações nele produzidas pelo espetáculo da natureza eram traduzidas pela dança - forma de linguagem por meio da qual os fenômenos eram imitados e celebrados fisicamente. Este ator é comum a todos os homens - embora em variados graus -, desde que existe o homem.
BIBLIOGRAFIA
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